domingo, 15 de janeiro de 2012

Com os suicidas

Assim eu ficava mais velha e achava que valia a pena. Fazia a lápis as rugas ao redor da boca e o cigarro disfarçava a voz jovem. Era como vestir de corvo o colibri e fui estúpida o suficiente para não perceber como me farejavam. Senti inveja das lentes grossas e das noites tranquilas. Porque para mim era descalçar os sapatos e o telefone tocava. A bolsa ao redor dos olhos, as olheiras e o cansaço eu simulava com ressaca. Eu queria ser como eles e era por vergonha que eu cheirava. Era por desgosto que eu virava doses de vodca na casa desconhecida e me disponha a dirigir bêbada quanto tudo o mais falhava. Não cheguei ao ponto de Ana, que entrou na sala às nove da manhã tropeçando nos próprios pés e fedendo a madrugada podre. Sei que foi puro acaso eu não ter chegado com ela naquela manhã, nos mesmos passos e com os mesmos olhos vermelhos. Não sei se azar ou sorte eu não ter estado no mesmo lugar infecto onde ela passara a noite - acordada, bebendo e cheirando. Gemendo e chorando. Aquele de fato sempre fora o meu mundo, meu lugar reconhecido, mas eu queria tanto e com tanta força parecer com aqueles decrépitos caducos que não me deixaria me desmascarar assim tão fácil. Eles me farejaram (hipocrisia a minha dizer que eu não percebia...) e sei que invejaram minha juventude. Queria mesmo parecer estúpida para que eles ao menos me aceitassem como uma aprendiz destinada ao fracasso. Só mais uma. Dei-lhes um pouco de minhas lágrimas e sabia que não duraria muito. Vaidosa, sempre me achei muito brilhante; mas nunca, nem com toda maquiagem do mundo e o carro do ano, eu chegaria àquele patamar. Dei-lhes minhas lágrimas mas era como se não fosse nada. Foda-se. Eu tenho um estoque inesgotável delas.